domingo, 21 de julho de 2013

Pulp Fiction (1994) - Quentin Tarantino



Um dos maiores clássicos do cinema moderno, Pulp Fiction é uma das obras de destaque de um dos maiores realizadores dos últimos anos, Quentin Tarantino. Com um elenco de luxo, com nomes como John Travolta, Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Uma Thurman ou a portuguesa Maria de Madeiros, Pulp Fiction arrebatou e continua a arrebatar, passados quase 20 anos, critica e público por todo o mundo. Apesar disso, num ano em que concorriam outros filmes célebres como Forrest Gump ou Shawshank Redemption, apenas venceu um Óscar. Ainda assim o grande reconhecimento está no tempo e hoje, inequivocamente, é um dos filmes onde melhor assenta o epíteto de culto.

O clássico de Tarantino gira à volta de três histórias diferentes que em determinados momentos do filme se interligam. Assente em diálogos bastante ricos, mas igualmente engraçados, as histórias, também escritas pelo realizador - com a colaboração de um antigo colega dos tempos em que trabalhava numa loja de vídeos - tinham como um dos principais objetivos o de fazer rir. Tarantino, após as várias referências à violência presente em Pulp Fiction, chegou a dizer que o que mais o torturava no mundo era "as pessoas não saberem que era suposto se rirem"

O filme começa em analepse, com a história do assalto ao restaurante, que apenas seria retomada no final. Logo após esse inicio, o filme volta a recuar cronologicamente para a cena em que Vincent Vega e Jules vão vingar o seu chefe e reaver uma mala que lhe teria sido roubada. No caminho até ao apartamento, onde fariam o "serviço", têm um diálogo curioso com referências ao McDonald's e ao Burger King, numa alusão à "pop culture", uma constante ao longo do filme. Já dentro do prédio, Jules revela que Marsellus atirou um homem do 4º andar por fazer uma massagem nos pés da sua mulher e desencadeia um diálogo engraçado em torno disso, sobretudo para quem estaria em vias de ir assassinar alguém; um dos momentos, provavelmente, em que os espectadores incomodariam Tarantino se ele não ouvisse uma gargalhada. A entrada no apartamento marca uma viragem na postura das personagens, pois se até ali haviam sido retratados como pessoas comuns, ao passarem a porta tudo muda e é como se vestissem o "fato" de gangster.

Entretanto, começa também a ser contada a história de outra das personagens principais: o pugilista Butch Coolidge. Num bar, aparentemente de Marsellus, ambos combinam a derrota de Butch no 5º assalto do seu combate, para que o chefe do gang beneficie nas apostas. No entanto, Marsellus mexe com o orgulho de Butch, humilhando-o e dizendo que o orgulho "só prejudica, nunca ajuda"... "fuck pride". A cena regressa a Vincent Vega, que tem de levar Mia, mulher de Marsellus, a sair. No restaurante onde vão, surgem as mais evidentes referências à "pop culture", com funcionários vestidos de ícones americanos como Marlyn Monroe, James Dean, Ricky Nelson ou Buddy Holly. Após o jantar, já em casa de Mia, acontece pela primeira vez uma das grandes curiosidades do filme: Sempre que Vincent vai à casa de banho, algo de mal acontece a seguir. E foi o que aconteceu, com Mia a ter uma overdose enquanto Vega estava na casa de banho. Antes disso, ela dançava ao som de "Girl You'll Be a Woman Soon". E eventualmente seria, aparentando estar mais madura e consciente depois do susto que teve aquela noite.

O filme é retomado com Butch, pouco antes do seu combate, a relembrar a história do relógio de ouro que passava de pai para filho, já desde o tempo do seu bisavô. Essa lembrança acorda-o, literalmente, para a honra e o orgulho que os seus antepassados cultivaram, valores desprezados por Marsellus, como forma de o convencer a perder o combate. À saída do combate, Butch apanha um taxi de uma jovem colombiana e revela-lhe que os nomes americanos não têm qualquer significado, numa das referências ao significado vazio das coisas. Outros exemplos são quando Jules recita a bíblia sem ver naquelas palavra um sentido; Ringo, que no assalto do restaurante chama "garçon" a uma empregada, que lhe explica que isso significa "boy", nos Estados Unidos; ou o próprio significado das vidas, pois todos eles, incluindo Butch, nunca pareciam muito perturbados com as mortes que causavam. Ao regressar à pensão, onde passou a estar hospedado, encontra Fabienne, a namorada francesa, naquela que foi a primeira aparição da portuguesa Maria de Medeiros no filme. Nessa cena é feito um paralelismo com as gerações anteriores de Butch, pois Fabienne, que tinha ido buscar as suas coisas, esquece-se do relógio e ele, tal como os seus ascendentes, terá de passar por muito para o preservar.... eventualmente, seguindo a tradição familiar, para o oferecer ao seu filho. Pelo menos Fabienne dá vários indícios nesse sentido, como quando fala da barriga grande e redondinha que fica bem a uma mulher, o enorme apetite e os desejos ao pequeno almoço, ou quando parece ir dizer algo importante a Butch e repara que ele adormece.

Na luta para recuperar o relógio, Butch acaba por matar Vincent Vega, que, mais uma vez, vinha a sair da casa de banho. Finalmente encontra-se com Marsellus, por acidente, e os dois batalham até serem capturados por violadores; não sem antes, durante a batalha, Butch vingar-se da profanação que Marsellus fez em relação ao seu orgulho, um valor importante para o pugilista, que refere isso mesmo enquanto o agride. Depois de capturados, enquanto Marsellus é violado, Butch consegue libertar-se e, sem que o realizador o mostre explicitamente, recorda-se das palavras do capitão Koons - quando lhe entregou o relógio - que dizia que "dois homens numa situação adversa ficam responsáveis um pelo outro". No momento em que Butch se recorda dessas palavras, Tarantino faz um grande plano seu, permitindo que se veja na parede uma matrícula do Tennessee, local onde o seu bisavô comprou o relógio, numa alusão aos valores que descendiam desde ele até Butch e estariam simbolicamente representados naquele objeto. É interessante o facto do relógio ser em ouro, pois estabelece uma ligação perfeita entre o seu valor material e simbólico. Para salvar Marsellus, Butch escolhe ainda a arma que melhor personificaria a honra e o orgulho: uma espada.

Marsellus é salvo, mas, pela primeira vez, esteve numa posição em que não era ele quem ditava as leis. Ali, como referiu Maynard, só ele e Zed tinham autorização para matar. Marsellus, era retratado como uma espécie de Deus e Vega e Jules são como dois justiceiros que seguem as suas leis. Tudo o que o envolve é misterioso: nunca se sabe o que contém a mala; os motivos que o fizeram atirar um homem do quarto andar; e o próprio ao inicio aparece escondido das câmaras, destacando-se o penso na nuca que parece esconder algo. Marsellus era como um Deus punidor que ditava as leis, que mais não eram que as suas vontades. O próprio Vincent Vega, que se zangava por ter um simples risco no carro, não se importou de o destruir para salvar esposa de Marsellus, só porque ela era a sua esposa. É isso que Jules pode ter percebido no final, depois de recitar a passagem bíblica, pela primeira vez com significado para si, quando refere que na verdade representa ele a "tirania dos homens maus". Ele está a tentar libertar-se disso e espera que Ringo se liberte também. Da mesma forma que ele teve a sorte das balas não o atingirem, Ringo teria a sorte de Jules o deixar viver e concretizar o seu plano, estabelecendo assim um paralelismo com o seu caso e dando também a Ringo uma nova oportunidade, como ele teve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário