sábado, 10 de agosto de 2013

Sherlock Jr. (1924) - Buster Keaton



Sherlock Jr. é uma dos grandes clássicos de Buster Keaton, lendário ator e realizador americano. É a sua longa metragem de menor duração, com cerca de 44 minutos, e nela estão presentes traços que o celebrizaram, como o rosto que nunca ri, e que lhe valeu a alcunha de "Grande Cara de Pedra", a câmara rápida, ou a habilidade como acrobata; Buster descendia da Vaudeville, um espetáculo bastante popular à época, que unia dança, comédia, acrobacias, animais, ou magia. Destemido, fazia também questão de atuar nas cenas mais perigosas e neste filme - na cena em que a descarga de água o empurra violentamente contra a linha de comboio - isso viria a custar-lhe uma fratura no pescoço. O talento fez ainda dele referência para atores como Jackie Chan, também vitima de algumas fraturas em cenas sem duplo, ou Jonnhy Depp, que admirava a maneira de Buster comunicar "sem usar as palavras" e nutria um "fascínio pela ideia de falar sem falar".

A história gira em torno de um projecionista de cinema que sonha ser detetive e salvar a mulher por quem se apaixona. Começa por tentar conquistá-la com um presente, mas como em todas as histórias do género, há sempre um vilão que se atravessa no caminho. Nenhum dos dois tinha grandes posses e enquanto Sherlock usa o dinheiro que achou no chão, ao varrer o cinema, o rival rouba o pai da rapariga - interpretado pelo próprio pai de Buster Keaton - e incrimina o aspirante a detetive. Depois de falhar novamente na tentativa de repor a verdade, e revelar-se um falhado em vários campos, regressa ao trabalho no cinema, onde adormece e sonha ser aquilo que sempre ambicionou.

Sherlock era um sonhador e todo o filme gira à volta disso mesmo: primeiro, quando ele sonha ser detetive e conquistar a amada; depois quando o faz literalmente. Foi mais bem sucedido quando o fez a dormir, pois na realidade tinha uma gritante falta de jeito tanto para com a mulher - é ela quem tem de deixar a mão com firmeza sobre a cadeira, para darem as mãos - como para detetive, pois o seu livro de aprendiz tem várias etapas a serem seguidas, numa investigação, e ele não usa grande parte delas. Se o fizesse, eventualmente teria conseguido provar que as impressões digitais do rival se encontravam no papel da venda do relógio que usou para o incriminar. Keaton, como era seu apanágio, e como grande comediante que era, chama a atenção para essa falta de jeito de uma forma bastante engraçada, pois tudo acontece a Sherlock: desde escorregar em cascas de banana, até levar com uma descarga de água na famosa cena em que fratura o pescoço. O Buster Keaton realizador, parecia troçar com o personagem desastrado do Buster Keaton ator.

Sherlock também tinha complexos com a sua condição social e quando oferece um presente à mulher isso é clarificado por Buster Keaton, pois após comprar o mais barato, modifica o preço para que este pareça mais caro. A jovem vivia numa casa grande, o que indicia alguma riqueza, mas só Sherlock dá valor a esse facto. Por isso, quando adormece é um detetive famoso, com uma cartola grande, contrastando com aquela meio achatada que costumava usar, passa a usar bengala, tem um assistente e vive numa casa com uma porta blindada. Esse sonho viria a dar origem a um dos efeitos especiais mais marcantes da época, quando Sherlock sai do seu corpo e entra no filme que estava a projetar, onde se desenrola todo o sonho. Aliás, além deste são também destaque outros efeitos como Sherlock a desaparecer num truque de magia, ou a mudança de cenários repentina que ocorre no filme onde ele "entra".

Essa mudança de cenários é uma alusão não só à passagem do tempo, como também aos obstáculos que teve de enfrentar até se tornar no "melhor detetive do mundo", até porque essa mudança implica sempre uma armadilha. Simbolicamente, esses obstáculos são representados por um precipício, leões, deserto, mar ou neve e - após ultrapassá-los - Sherlock volta ao primeiro cenário como se a sua vida tivesse dado uma volta completa e regressasse ali outra pessoa. Um pormenor brilhante. É com esse estatuto que é chamado a resolver o crime no filme. Mais esperto e astuto, escapa a todas as armadilhas que lhe são montadas e com isso a própria sorte muda, passando a estar do seu lado. Com essa sorte à mistura, consegue salvar a mulher e resolver o caso. Ao acordar, permanece cabisbaixo com novo despertar para o seu estado de falhado. No entanto, a mulher por quem estava apaixonado descobre que ele foi acusado injustamente e vai ter consigo. Sherlock mantinha a falta de jeito, mas desta vez usa-se da "grande tela", para aprender como agir com a mulher na "pequena tela" em que se encontra, e imita o que o ator vai fazendo. Só não o consegue, e coça a cabeça intrigado, quando o casal do filme aparece repentinamente com filhos... 
Uma história bonita de um personagem inocente, que sonhava poder ser alguém como tantas pessoas na vida real, e com o brilhantismo do génio de Buster Keaton na fase gloriosa da sua carreira.


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