quinta-feira, 27 de junho de 2013

Umberto D. (1952) - Vittorio de Sica


Umberto D. é um dos principais filmes do consagrado Vittorio de Sica, um dos grandes nomes do Neorrealismo italiano. Este filme retrata a sobrevivência de um homem reformado, que luta para conseguir manter-se no quarto que arrendou por vários anos e, sobretudo, para manter a dignidade que ainda lhe resta. Representado por vários atores amadores, dos quais se destaca o personagem principal Umberto Ferrari (Carlo Battisti), o filme é dedicado pelo realizador ao seu pai, também ele um pensionista chamado Umberto.

Logo nas cenas iniciais, Umberto Ferrari, já mergulhado na miséria, tenta vender um dos seus relógios a outras pessoas da classe baixa que almoçavam na mesma cantina que ele. Entre essas pessoas, havia desde mendigos a trabalhadores com a roupa suja, num cenário que juntava os renegados sociais de Itália. O relógio acabara mesmo por ser vendido a um mendigo, indiciando que Umberto já vivia com menos posses do que os próprios pedintes. É também neste cena que é revelada uma das linhas mais importantes da história: O carinho entre Umberto e Flike, o seu cão, com o primeiro a deixar de comer para dar o almoço ao seu fiel companheiro.

Umberto vivia numa luta para impedir a dona da pensão de o meter na rua, pois tinha passado a ser um estorvo para alguém que um dia chamou de avô. Lá, na pensão, tinha a sua única outra amiga além de Flike: Maria, uma empregada de bom coração, mas analfabeta. Umberto tentava convencê-la a aprender, pois "todos se aproveitam dos ignorantes" e Maria vivia igualmente em más condições.
Na noite em que Umberto, doente, é levado para uma enfermaria, onde conseguiu ficar mais tempo além do necessário, para fugir das despesas, acontece uma das cenas mais brilhantes do filme de Vittorio de Sica:

A amiga de Umberto vai à cozinha e, nesse segmento, é-nos dito que ela perde a esperança e se resigna à sua condição atual. Maria acende o fogão, observa o bairro com mau aspeto que rodeia a pensão, guarda numa gaveta a tinta e os papeis que a poderiam conduzir à alfabetização e começa a chorar ao olhar e passar a mão na sua barriga grávida. A cena termina com Maria a moer café e a fechar a porta com o pé, como se tivesse fechado a porta para um futuro melhor, para ela e para o filho, que viria a nascer, ou como se já não houvesse saída para aquela condição miserável. Na gaveta ficou, para sempre, a ideia da alfabetização, ficando consignada a "fazer café" toda a vida.  Esta cena adquire, assim, uma belíssima carga simbólica.

Já perto do final, Umberto tenta pela última vez encontrar uma saída para o seu problema. Esgotadas todas as soluções, decide virar pedinte, mas depressa se envergonha do ato e faz com que seja Flike a segurar o chapéu, enquanto ele se esconde. Essa solução viria a revelar-se infrutífera, pois à passagem de outro conhecido, que reconheceu Flike, Umberto decide mais uma vez disfarçar a situação.
Na sua última noite na pensão, e já sem esperança, é revelado como Umberto projeta um eventual suicídio, quando o realizador dá um plano do idoso a olhar fixamente a estrada do alto da sua varanda. No entanto, depressa voltou o olhar para Flike e decidiu tentar deixá-lo a salvo antes de concretizar a sua ideia. Sem o conseguir, Umberto tenta que morram os juntos, mas o seu cão, numa cena emocionante, consegue reagir a tempo de salvar os dois. Flike, que tinha sido sempre fiel, o tal melhor amigo do homem, havia perdido a confiança no dono, mas, quando Umberto a reconquista, acontece o grande revés da história: Ambos correm juntos pelo jardim e a cena final termina com o aparecimento de crianças, que poderiam simbolizar um novo futuro, uma nova esperança ou uma nova vida para eles os dois.

Este filme, que tem um lado trágico e emocional bastante forte, não retrata apenas a solidão de Umberto, a ingenuidade de Maria, ou a miséria de ambos. Este filme chamava a atenção para os muitos Umbertos e as muitas Marias pelo mundo fora... E é um alerta que se mantém atual.

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